terça-feira, 10 de maio de 2011

Relatos de Agressão Fazem Pais Desistir de Berçários

Campina Grande - “Aperta meu pescoço que eu quero dormir”. Quando ouviu o filho de dois anos dizer essa frase, a dona de casa Verônica Gomes, que mora em João Pessoa, ficou assustada, mas não conseguiu entender seu significado. 

A partir daí, começou a perceber que seu filho vivia agitado, tinha medo das outras crianças e chorava compulsivamente sem motivo aparente. Quando a mãe o pegava nos braços esperando ele dormir, repetia a frase assustadora. Quando enfim conseguia dormir, falava algo mais assustador ainda:“Dorme...apanha....dorme...apanha”. 

O relato até parece ser de um filme de terror, mas faz parte da realidade. É o alerta de uma mãe que colocou o filho em uma creche, acreditando que nesse lugar ele estaria protegido. “Hoje, meu filho tem 13 anos de idade e sofre por tudo que passou na creche, apesar de não lembrar”, conta. De acordo com Verônica, o adolescente tem pânico de outras pessoas e atualmente vive isolado. Sua história serve de exemplo e, principalmente, de alerta para as mães que colocam os filhos em berçários e creches, pois a cada dia cresce o número de reclamações de maus-tratos nesses locais. 

“Quando meu filho nasceu eu trabalhava e não tinha com quem deixá-lo, por isso o coloquei na creche”, lembra. “Antes de colocá-lo fui visitar o local, que tinha psicólogos, boa alimentação e aparentava ser um ambiente agradável e feliz para as crianças, mas eu me enganei, pois a realidade era outra”, declara. “Ninguém pode cuidar melhor do filho que a própria mãe”. Verônica lembra que o filho ficava a cada dia mais triste, apesar de ainda ser uma criança de dois anos. 

Ela conta que uma vez, quando estava a caminho da creche, o filho começou a chorar desesperadamente, sem controle. Verônica tentava consolar a criança, mas não conseguia. Mostrando o slogan colorido da creche, disse: “Olha filho, como é lindo”. Diante disso, o menino – agora chorando ainda mais – declarou inconformado: “Isso também dói”, apontando para o slogan. Para sua surpresa, quando chegaram à creche, seu filho parou imediatamente de chorar alto, mas as lágrimas continuavam a cair.

“Ele chorava em silêncio e aquilo me chamou atenção, porque uma criança de dois anos não tem entendimento para chorar assim, a não ser que alguém o intimide e o proíba”, destaca. As poucas palavras que o menino falava tropeçando, tinham relação com sofrimento e tristeza. “Falar mesmo ele só conseguiu aos cinco anos de idade”, lembra a mãe. Verônica então começou a juntar as peças do quebra-cabeça, até começar a desconfiar que o filho estava sofrendo maus-tratos na creche. 

“Falo desconfiar porque eu nunca vi, mas os indícios foram muitos”, afirma. Só quando engravidou do segundo filho foi que resolveu pedir demissão, tirar o mais velho da creche e ficar em casa se dedicando exclusivamente à missão de mãe. Ao perceber que o filho tinha um comportamento diferente das outras crianças levou-o ao médico. O diagnóstico apontou que seu filho ficou com sequelas por ter sofrido maus-tratos e repressão nos primeiros anos de vida. As consequências foram drásticas. Até hoje, o filho de Verônica faz tratamento com psicólogos, psiquiatras, psicopedagogos e fonoaudiólogos. 

Em novembro do ano passado, a denúncia de maus-tratos a crianças em um berçário em Goiânia, revoltou pais de todo o Brasil. De acordo com a Polícia Civil de Goiás, a agressora seria a proprietária do berçário. Em uma de suas entrevistas sobre o caso, a delegada chegou a dizer que o local é “um ambiente de tortura, com choro constante. Algumas crianças passam o dia amarradas em carrinhos, são beliscadas e têm os dedos esfregados no muro até sangrar, o que a gente considera muito grave”. 

As exigências dos pais são muitas, por isso, a cada dia os berçários precisam oferecer não apenas conforto, mas – acima de tudo – segurança para seus filhos. Com medo de não encontrar esses requisitos, a professora Adriana Paiva está adiando ao máximo colocar a filha de um ano e nove meses no berçário. “Desde que voltei a trabalhar, quem fica com ela é minha sogra”, explica. Pelas histórias que já ouviu, não tem coragem de deixar a criança com ‘desconhecidos’. “Já visitei alguns berçários que aparentam ter boa estrutura e bons profissionais, mas ainda não tive coragem”, destaca. 

O problema existe, é grave e pode trazer sérias consequências para a vida da criança. O pior de tudo é que a situação pode ser ainda mais crítica e preocupante, pois a subnotificação de casos desse tipo de violência ainda é uma realidade na Paraíba, como no resto do país, destaca Soraya Escorel, promotora da Infância e Juventude. “A estimativa através das pesquisas realizadas é que de cada 20 casos de agressão física apenas um é denunciado”, revela.

Pais precisam estar vigilantes e atentos ao cotidiano da criança
Para a promotora da Infância e Juventude, Soraya Escorel, grande parcela da violência praticada contra a criança permanece desconhecida das autoridades por falta de notificação. “Infelizmente, esses casos ainda continuam sendo encobertos pela família e pela sociedade, aliada a dificuldade dos profissionais, sobretudo os da saúde, em notificar os casos que têm conhecimento”, explica Soraya. “É lamentável que a lei do silêncio familiar continue imperando diante da violência, apesar dos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, completa.

Diferente do que acontece em outros Estados brasileiros, conforme a promotora de Justiça, a sociedade local ainda não está acostumada a denunciar casos de maus-tratos em creches e berçários. “A maior dificuldade é que os estabelecimentos, ao tomarem conhecimento de uma possível fiscalização de rotina, costumam ‘maquiar’ os problemas, não deixando nenhuma evidência de irregularidade”, explica, lembrando que a partir desse fato fica mais fácil entender o baixo índice de queixas junto ao Ministério Público.

A promotora da Infância e Juventude, Soraya Escorel, faz um alerta importante aos pais, “que devem estar mais vigilantes e presentes no cotidiano dos filhos. Atentos, sobretudo aos sinais que as crianças apresentam, investigando e participando mais de sua educação, numa relação sadia entre família e instituição”. Por isso, à menor desconfiança de maus-tratos, a denúncia deve ser feita. “Os pais têm de cobrar providências das autoridades”, afirma.

O Ministério Público, conforme declara a promotora, trabalha na prevenção aos casos de maus-tratos, procurando contribuir, seja com ações na Justiça, seja com fiscalizações ou expedição de recomendações. “E mais, dialogando através de um grupo de trabalho de atendimento à criança e ao adolescente, que se reúne uma vez por mês”, comenta Soraya. “É triste sabe que existe um pacto doloroso com a própria vítima, que não consegue fazer a denúncia, o que vai implicar em grande violência psicológica”, alerta.

Além do medo, os maus-tratos geram uma série de problemas às crianças, seja de ordem física ou psicológica. “A maior dificuldade enquanto autoridade é perceber a agressão que não deixa marcas visíveis na criança”, afirma. Ela lembra que para uma criança, um adulto significa alguém capaz de protegê-la, por isso, “quando ela passa por uma situação de maus-tratos, significa que houve uma quebra. Quem devia protegê-la, falhou”. Um dos reflexos pode ser o ciclo da violência: a criança que hoje é maltratada, amanhã tende a maltratar outra. “É natural que a criança tenha medo e não consiga denunciar em razão das ameaças que sofre”, explica.

Quando os casos de maus-tratos são denunciados geralmente é feita a advertência, a suspensão das atividades e o prazo para adequação; quando a situação é mais grave, ocorre o fechamento da creche ou berçário, “pois instituição que trabalha com crianças deve estar adequada às exigências do Conselho Municipal de Educação, responsável por emitir autorizações de funcionamento”. Entretanto, quando chega ao conhecimento do MP, o promotor pode solicitar vistoria e avaliação interdisciplinar nos berçários e creches ao conselho.

Creches não têm denúncia de maus-tratos
  
Nas creches do município de João Pessoa, agora chamadas de Centro de Referência em Educação Infantil (Creis), segundo informações da assessoria de imprensa da Secretaria de Educação, não há denúncias sobre maus-tratos. As crianças entram às 7h e saem às 17h. São oferecidas cinco refeições diárias e os objetos são individualizados. São 39 Creis; em cada sala de aula são 20 crianças acompanhadas por um professor e um monitor. Segundo a assessoria de imprensa, o padrão pode ser comparado a das melhores creches privadas.

Em toda a Paraíba, são 44 creches, sendo 31 em João Pessoa, dez em Campina Grande e as demais em outros municípios do interior do Estado. De acordo com a Secretaria Estadual de Educação estão matriculadas 4.200 crianças, que chegam às 7h e saem às 17h. Nenhuma denúncia foi recebida desde o dia 18 de fevereiro deste ano, quando as creches passaram a ser de responsabilidade da Secretaria de Educação. Até 2010, a competência era da Secretaria de Desenvolvimento Humano, que não soube informar se foram recebidas denúncias nos anos anteriores.

Na Delegacia de Repressão aos Crimes contra Crianças e Adolescentes nenhuma queixa foi feita nos últimos anos. “Não lembro de nenhum caso de maus-tratos em creches ou berçários”, explicou a delegada Joana D’arc Sampaio. Diante da ausência de queixas há duas hipóteses: a primeira é que os maus-tratos realmente não acontecem na Paraíba; a segunda é que não são denunciados, seja por medo, desconhecimento das leis, ou mesmo por falta de atenção dos pais para com os filhos. Fica o alerta!  



0 comentários:

Postar um comentário